11.7.20

A Estranha Cor das Lágrimas do seu Corpo (L'étrange couleur des larmes de ton corps)

Em close de rosto num fundo preto, uma mulher branca joga a cabeça para trás, fazendo voar o cabelo liso e preto. O que parecem ser diversas gotas vermelhas brilham espalhadas pela imagem.

2013
Terror, Mistério, Giallo
Direção: Hélène Cattet, Bruno Forzani
Roteiro: Hélène Cattet, Bruno Forzani



Dan Kristensen (Klaus Tange) chega em casa após uma viagem e percebe que sua esposa está desaparecida desde sua partida. Assim, inicia-se uma investigação onde histórias paralelas se entrelaçam e não se sabe o que é sonho e o que é realidade.

A sinopse que escrevi é uma tentativa de racionalizar algo que não se pauta em momento algum na racionalidade. O filme é psicodélico, onírico, uma explosão de cores e imagens. A abstração é tão constante, rompendo o frágil fio narrativo a todo instante, que chega a ser em alguns momentos cansativo.

Hélène Cattet e Bruno Forzani fazem uma evidente homenagem ao giallo¹ italiano, mas, sem se prenderem demais ao gênero, trazem frescor e diversas outras inspirações cinematográficas. Uma das características que aproxima o longa do giallo, para além do apuro estético e do tema, é a trilha-sonora que muitas vezes até mesmo mimetiza as músicas dos filmes de 1970. Outras características perpassam pelo uso das cores e pela belíssima locação em estilo art nouveau. 

Eu já havia assistido ao longa em 2017 e, agora na revisão, eu gostei ainda mais. Apesar de minhas limitações, consigo reconhecer para além do giallo, muito do surrealismo e até mesmo algo do expressionismo alemão. O crítico de cinema Pablo Villaça disse certa vez que "Se Buñuel e David Lynch tivessem um filho que tomasse LSD e fizesse um giallo, o resultado seria A Estranha Cor das Lágrimas do seu Corpo" e tenho dificuldade de encontrar outra maneira de resumir tão bem o que é esse filme.

Imagem em preto e branco do rosto (apenas dos olhos para cima) de uma moça branca com os cabelos lisos, longos e pretos bem espalhados sobre o travesseiro onde sua cabeça está apoiada.

Contudo, está longe de ser apenas um amontoado de cenas que não querem dizer nada. Consigo ver nele comentários sobre o voyeurismo e a objetificação do corpo feminino, ao mesmo tempo em que trata da libertação feminina, de sua redescoberta enquanto alguém que tem seus próprios desejos e não se vê mais na posição de agradar ao homem mais do que a si mesma (inclusive colocando o homem como supérfluo). Trata a mulher como atora (a palavra não existe, mas atriz não cabe no sentido que quero expressar - “dona da ação”) e propulsora da história, enquanto o homem está perdido e se deixando levar. A mulher começa exterminando a sua imagem como é vista tradicionalmente (principalmente no giallo) e toma a narrativa para si, se reconstrói e anula o homem. A mulher, todas elas, é Laura (“vitoriosa”, “triunfadora”). 

E não se preocupe com possíveis spoilers no meu texto, pois, apesar de o giallo tradicionalmente ser calcado no mistério, pensar no mistério como motivação para assistir a esse filme é como acreditar que saber de antemão o final de 2001: Uma Odisseia no Espaço estragaria a experiência de assisti-lo - guardadas as devidas proporções. 

Ainda assim, muito pautado no grotesco e com algumas cenas que podem ser interpretadas como violência exagerada contra o corpo feminino, em diversos momentos eu diria não ser um filme palatável para muitas pessoas. Eu, no entanto, recomendo A Estranha Cor das Lágrimas do seu Corpo a todo e qualquer amante do terror que esteja aberto a uma experiência diferente e intensa.

O perfil do rosto de um homem branco está duplicado. Ele recebe em suas mãos uma xícara entregue por uma mão feminina enluvada em renda preta. O entorno está escuro e desfocado, com apenas um objeto não identificável de decoração (talvez uma moldura) iluminado em desfoque com um tom amarelo claro.

...

* Recomendo sobre esse filme o texto As mudanças de gênero e o neo-giallo, por Andrey Lehnemann. 

¹ Falei um pouco mais sobre o giallo no texto de A Moça do Pijama Amarelo.

2 comentários:

Unknown disse...

Legal o texto. Fico com a sensação esquisita, meio esquizoide, de perda de referência do real....

tha disse...

É essa a sensação mesmo quando a gente assiste ao filme!