15.1.21

A Sombra do Pai

Uma menina de cabelo longo, castanho escuro e ondulado, está enfeitada para Festa Junina (cílios inferiores desenhados sob os olhos e flor de pano de lado no cabelo). Ela está em segundo plano, aparecendo apenas seu rosto. Em primeiro plano, os objetos se concentram à direita e estão muito desfocados. A menina está emburrada, espremendo a boquinha.




2018
Terror, Drama
Direção: Gabriela Amaral Almeida
Roteiro: Gabriela Amaral Almeida






Dalva (Nina Medeiros) perdeu a mãe quando bem pequena e agora mora com o pai, Jorge (Julio Machado), e a tia, Cristina (Luciana Paes). Mas Cristina está prestes a se mudar, deixando a menina sob a responsabilidade de um pai cada vez mais adoecido, de corpo e alma.

Gabriela Amaral Almeida vem se firmando como uma das melhores diretoras de sua geração (nacional e internacionalmente, homem ou mulher), mesmo focando em cinema de gênero - e um gênero que ainda sofre muito preconceito, como o terror. Seu primeiro longa, Animal Cordial (2017),  está entre os 10 filmes que eu mais gostei daquele ano. Também assisti aos curtas Uma Primavera (2011) e A Mão que Afaga (2012), ambos maravilhosos e que você encontra com facilidade nas interwebs da vida - procurem, cada um não tem mais do que 20 minutos. 

Então, você pode imaginar que eu tinha bastante expectativa com relação a A Sombra do Pai. E que filme incrível! Seja você fã ou não de terror, esse é um daqueles filmes praticamente obrigatórios. Entrou imediatamente no meu "top 5" de 2018, com folga!

Seguindo o mesmo fluxo criativo ao qual pertencem outros filmes desta década como O Babadook (2014), Hereditário (2018) e, posteriormente, Relic (2020), em A Sombra do Pai, Gabriela vai tratar o terror dentro das relações, tradições e dramas familiares. 

Utilizando de um esmero impressionante na produção, o cenário, a direção de arte e o figurino (em particular de Dalva e Jorge) são elaborados para compor e dar substância a essas relações e aos dramas dos personagens. Em entrevistas concedidas aos podcasts "Cinematório Café" e "Feito por Elas", a diretora explica algumas dessas situações. Dalva, por exemplo, usa roupas pequenas demais ou que parecem ter sido herdadas de outras crianças, indicando um descuido ou falta de atenção da parte do pai. A casa é filmada de modo a tornar sua planta confusa, não podendo-se identificar com segurança como se entra ou como exatamente seus cômodos estão interligados, possui poucos móveis e praticamente não possui objetos decorativos. A casa espelha seus moradores e também nos passa a sensação de incômodo, tristeza e apreensão.

A seleção do elenco é também algo que impressiona. Nina Medeiros é tão parecida com Luciana Paes que podemos facilmente acreditar em um parentesco real entre elas. Além disso, as atuações de ambas são absolutamente perfeitas. Nina com seus olhos expressivos, sua melancolia e força absolutamente equilibrados e Luciana sendo quem incute na menina suas crenças populares e, ao mesmo tempo, sendo o respiro de sanidade e praticidade daquela família. Para fechar o trio, Julio Machado passa tão bem o estado depressivo e mentalmente caótico em que se encontra, que chega a preocupar. Por meio desses personagens, o longa evidencia as falhas sociais enraizadas na nossa cultura. A falta que a figura feminina faz na família, pois nela recai toda a responsabilidade relacionados à morada e moradores. O que o machismo acarreta para os próprios homens, tornando-os incapazes de conseguir lidar com seus sentimentos e relações afetivas.

O que me chama a atenção e me agrada muito nesse filme são os paralelos e homenagens que a cineasta faz a grandes clássicos do terror, como A Noite dos Mortos Vivos (1968) e Cemitério Maldito (1989), que tratam do retorno dos mortos. Dalva, assim como nos filmes que assiste, não só deseja que a mãe retorne da morte para ficar com ela, como passa a acreditar que seu pai está se tornando um morto-vivo. Crenças e desejos que, para a menina, passam a se tornar a sua realidade.

Também destaco o modo como o filme transita com facilidade entre as referências do cinema de horror internacional e as referências essencialmente brasileiras. Somos apresentados a simpatias, crenças populares que mesclam elementos de diferentes religiões e tradições populares, como a festa junina. Nisso, acabo me lembrando imediatamente de outro excelente filme brasileiro, As Boas Maneiras (2017).

A Sombra do Pai é um filme lento e que talvez desagrade algum desavisado que procura algo cheio de altos e baixos, sustos, sangue e um clímax apoteótico. Ainda que o filme trate de temas pesados, remetendo a um terror mais gráfico como o dos filmes que ele mesmo cita, Gabriela constrói algo mais calcado numa ambientação opressora, e num terror mais psicológico e, quando o grafismo entra em cena, é utilizado de forma quase poética. 

2 comentários:

Marco Aurélio disse...

Não conhecia ainda. Agora estou interessado

tha disse...

Olá, Marco Aurélio, bem vindo ao Pipoca no Edredon!

Fico muito feliz que meu texto tenha feito você se interessar pelo filme!

Se assistir (ele entrou esses dias no catálogo da Amazon Prime), depois volta aqui para dizer se gostou.