11.12.20

Especial Daria Nicolodi - parte 2

Se na primeira parte da minha série de textos dobre Daria Nicolodi falei mais genericamente sobre sua vida e carreira, me atendo pouco aos três dos filmes que roteirizou, hoje escrevo sobre o outro filme pelo qual ela recebeu os créditos de roteirista, sobre sua participação no último filme de Mario Bava e sobre uma das comédias nas quais atuou. 

Assim, nessa segunda parte, pretendo fazer um apanhado da carreira de Nicolodi para além de sua parceria com Dario Argento.



Uma mulher branca (Daria Nicolodi) com cabelo ondulado castanho claro cortado à um pouco acima dos ombros e com franja curta repicada. Veste um vestido branco com babados na gola e nas mangas curtas, usa gargantilha de pérolas e segura uma lanterna. A parede atrás dela está coberta de tecidos rasgados vermelhos, empoeirados e cobertos de teias de aranha.
Paganini Horror


1989
Terror, Musical
Direção: Luigi Cozzi
Roteiro: Daria Nicolodi, Luigi Cozzi e Raimondo Del Balzo (história)




Já enquanto eu o assistia, estava muito claro para mim que Paganini Horror foi escrito por Daria Nicolodi. Sua estrutura e ideia central tem muitas semelhanças com Suspiria (1977). Trata-se de uma banda pop/rock que compra uma música perdida do compositor e violinista Niccolò Paganini - sobre quem recai uma lenda de que haveria feito um pacto com o demônio em troca de fama. Segundo o roteiro, a música adquirida seria justamente aquela que Paganini teria usado para invocar o demônio. A banda, então, decide fazer um clipe na própria casa onde viveu o compositor e onde ele teria feito o suposto pacto. 

Mas onde estão as semelhanças como Suspiria

São três: o envolvimento da trama com a arte, em Suspiria era a dança e em Paganini Horror, a música; a tentativa de ambientar a história em uma mansão assustadora; o fato de a trama ser tão simples e básica, que boa parte da história se passa com os personagens andando, procurando, explorando. Se você assiste aos dois filmes, fica evidente que a estrutura narrativa é muito semelhante.

Infelizmente, o fato de ser um roteiro tão simples, acaba deixando a qualidade do filme muito à mercê da execução. Com uma boa direção, ambientação, iluminação e trilha-sonora, temos uma obra prima. Porém, nas mãos de um diretor e equipe de arte não tão competentes, temos um filme medíocre.

E quero reforçar aqui: o enredo básico é sensacional. A ideia de um compositor violinista fantasma perseguindo uma banda de rock em um casarão antigo é algo que poderia ter virado, de fato, um filme inesquecível! Se o cenário fosse bem construído e a ideia da música amaldiçoada se misturasse à trilha-sonora, causando de fato algum impacto na história... Puxa!

Ao contrário, a casa, internamente, é de paredes brancas e portas simples, extremamente comum, e o único tratamento que recebeu em termos de cenografia foi uma imensidão de panos e véus distribuídos por alguns cômodos e um amontoado de manequins espalhados. Não dá medo, não é bonito, não causa impacto. Existe um quarto, inclusive, que possui um tratamento "diferenciado" para trazer a ideia da teoria da relatividade (que foi enxertada de um jeito bem mambembe no roteiro) em que as paredes brancas estão parcialmente cobertas com a fórmula "E=mc²" e há uma ampulheta gigante a um canto, com uma luz vermelha ou azul que vem de "lugar nenhum" - é um dos cenários mais insípidos (e feios) que já vi na minha vida. A música tema é pouco utilizada e não chega nem a ser marcante durante o filme. (Em compensação, o pôster do filme é maravilhoso!)

Sabe o que eu adoraria? Que o Luca Guadagnino tivesse escolhido esse filme para fazer sua refilmagem. Apesar de eu ter gostado do novo Suspiria, o original não precisava ser refeito, ele já era perfeito. Já Paganini Horror, esse sim, merecia ser revisitado, recontado, reinventado.

Além do roteiro, Nicolodi atuou no filme com uma personagem de certo destaque e com bastante tempo de tela, mas nem isso salva o filme, pois a personagem não é trabalhada o suficiente para ser memorável.

Enfim, pensando em tudo isso, acho perfeitamente justificável que Daria Nicolodi tenha afirmado certa vez que Luigi Cozzi roubou Paganini Horror dela¹. 



Uma mulher branca (Daria Nicolodi) está deitada em uma cama, seu rosto em close e ombros desnudos, os cabelos castanhos claros espalhados no travesseiro branco e cobrindo parte de uma bochecha e o queixo. Seus olhos claros estão abertos e a boca entreaberta mostrando um pouco dos dentes superiores.
Schock

1977
Terror
Direção: Mario Bava e Lamberto Bava
Roteiro: Lamberto Bava, Gianfranco Barberi, Alessandro Parenzo e Dardano Sacchetti


Também conhecido como Beyond the Door II

É difícil de ultrapassar a barreira da primeira meia hora. Tudo o que envolve a relação entre a protagonista e seu filho é tão desconfortável que parece ficar nos instigando a abandonar o filme. Apesar da tentação, recomendo que aguente firme. Tudo tende a melhorar (ou a piorar, a depender do ponto de vista). O fato é que o filme parece se encontrar e a fluir como um bom terror deve ser. A última meia hora chega a ser frenética! Mario Bava nos conduz muito bem num clima de tensão e paranoia crescentes. Há algumas cenas e sequências belíssimas, como por exemplo a cena cuja imagem escolhi para ilustrar essa parte do meu texto.

O lado bom é: temos quase 100% de Daria Nicolodi em tela. E ela está incrível no papel de Dora! Chego a temer que ela tenha arranhado as cordas vocais com tantos gritos desesperados, mas sua interpretação angustiada e à beira da loucura é o que faz o filme se manter nos eixos.

Daria também participou, junto com a banda Libra, da composição da trilha-sonora deste filme² - e a música tema é excelente! Esse é o momento em que eu conto para você que no início do ano montei uma playlist no Spotify com músicas de filmes de terror. Dentre elas, muitas de filmes italianos - a maioria da banda Goblin (ou de Claudio Simonetti), com exceção de cinco. A música tema de Schock é uma dessas cinco e, além dessa, duas de Mansão do Inferno (1980), uma de A Rainha Vermelha Mata 7 Vezes (1972) e uma de A Catedral (1989). E onde eu quero chegar com isso? No seguinte: sei de três trilhas-sonoras com as quais Daria Nicolodi alegava ter contribuído e, muito antes de saber disso, essas três trilhas-sonoras já estavam entre as minhas preferidas do terror italiano.

Segundo o Letterboxd, eu havia assistido Schock em 2016. Informação que, para mim, veio a ser um choque, pois eu não lembrava de absolutamente nada sobre isso. Não lembrava da circunstância que me levou a assisti-lo, não me lembrava do nome, não me lembrava de ter a Daria Nicolodi, não me lembrava do pôster (lindíssimo - apesar de ter sido praticamente copiado da capa do livro "Nós Sempre Vivemos no Castelo", de Shirley Jackson). A música eu conhecia porque comecei a ouvir trilhas-sonoras de filmes de horror italiano e fui colocando as minhas preferidas na já mencionada playlist - mas quando ouvi pela primeira vez no início desse ano, ela não me remeteu a nada, era como se estivesse ouvindo pela primeira vez na vida. Pensei comigo "quando sentar para assistir novamente, irei lembrando aos poucos" (como me aconteceu recentemente quando revi A Rainha Vermelha Mata 7 Vezes, sem lembrar inicialmente que já tinha assistido antes). No entanto, aqui estou eu, recém finalizada a seção, e continuo não lembrando de jamais ter assistido Schock antes. Tudo, absolutamente tudo foi uma surpresa para mim. Fica aí, então, o nosso mistério.


Uma mulher branca (Daria Nicolodi) de cabelo castanho preso em um coque e usando óculos, vestida com roupa social vinho, ao lado de um senhor branco (Jack Lemmon) grisalho usando óculos e terno azul marinho. Estão sentados a uma mesa coberta de documentos e conversam com pessoas extracampo.

Maccheroni



1985
Comédia, Drama
Direção: Ettore Scola
Roteiro: Ettore Scola, Ruggero Maccari e Furio Scarpelli





Das comédias nas quais Daria atuou, talvez esta não seja aquela em que ela tem mais tempo de tela. Apesar de ser a personagem feminina de maior destaque, o filme gira tão enfaticamente no relacionamento entre os personagens de Jack Lemmon e Marcello Mastroianni, que Nicolodi aparece em poucas cenas. 

O filme é engraçado, Jack Lemmon está muito bem no papel, mas Mastroianni se destaca - engraçado e comovente, brilha e faz o filme praticamente acender sempre que entra em cena. Nicolodi, apesar de secundária, faz seu personagem com graça e entrega perto do final uma interpretação embriagadamente deliciosa e sutil - adoro o momento em que ela tenta colocar o copo na mesa de centro, mas a mesa de centro não colabora. 

Nos primeiros minutos de filme, o modo como começam a construir a personalidade do personagem de Lemmon e apresentam o de Mastroianni, temos a impressão de que será uma comédia mais focada em conflitos, como em Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), com Steve Martin e John Candy, mas rapidamente essa impressão é descontruída.

Embora haja uma irritante exaltação do "americano" interpretado por Lemmon pelos personagens italianos e o encerramento da história venha para reafirmar essa impressão, o filme, tal qual o personagem de Mastroianni, é espirituoso, divertido e emocionante. Além disso, esse enaltecimento é justificado  pelo contexto do filme e, ademais, é a cultura italiana que é desenvolvida de modo a nos cativar.

Na comédia, além deste, Daria participou de A Propriedade não é mais um Roubo (1973), seu primeiro filme do gênero; Il minestrone (1981), com Roberto Benigni; Viola (1998), com sua filha Asia Argento; e La parola amore esiste (1998), com Gérard Depardieu. Destes, fiquei bastante interessada em assistir aos dois primeiros.

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parte 3 estará disponível aqui a partir do dia 21/12/2020.



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¹ FOSCHINI, Francesco. Daria Nicolodi, l‘importante non è raccontarsiIl manifesto, 4 jul. 2020.
² Seleção de tuítes da Daria Nicolodi. @NicolodiDaria. InTwitter.

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