17.11.20

A Hora do Pesadelo 6: Pesadelo Final, a Morte de Freddy (Freddy's Dead: The Final Nightmare)

Um homem (Freddy Krueger) de rosto queimado, camiseta de manga longa com listras horizontais verdes e vermelhas e chapéu fedora marrom com faixa preta. Está sentado com um dos pés sobre uma mesa de madeira. Com uma mão que usa luva com lâminas nos dedos, segura um controle de videogame, diz algo sorrindo e aperta um dos botões. Em primeiro plano, desfocada e à direita do enquadramento, as costas de uma televisão de tubo sobre a mesa. O ambiente é pequeno, sujo e cheio de peças metálicas enferrujadas sobre a mesa e à sua volta.

 

1991
Terror
Direção: Rachel Talalay
Roteiro: Rachel Talalay e Michael De Luca
 





Um adolescente (Shon Greenblatt) com amnésia é levado para um reformatório, cujos funcionários Maggie (Lisa Zane) e Doc (Yaphet Kotto) tentam desvendar sua origem ao tentar decifrar seus pesadelos.

Talvez você esteja se perguntando por que alguém iria escrever um texto especificamente sobre aquele que deve ser considerado o pior filme da franquia A Hora do Pesadelo. Talvez você esteja imaginando que o motivo seja justamente esculachá-lo. Porém, apesar de esse raciocínio fazer sentido, eu pretendo aqui explicar justamente o que me faz gostar tanto dele, mesmo enxergando com tranquilidade seus defeitos.

Então, para resolver logo a questão mais óbvia, vou começar pelo que todo mundo já sabe: o roteiro desse filme é um lixo. 

Ao longo de toda a franquia, foi-se construindo com maior ou menor coerência, uma série de elementos e pedaços de história que vão compondo o passado de Freddy Krueger (Robert Englund, sempre maravilhoso) e todo um imaginário relacionado a ele. Nos é dado no primeiro filme que Freddy morava na Rua Elm e era um assassino de crianças, todas moradoras daquela mesma rua, e que, após uma falha judiciária, acabou sendo solto e, em seguida, queimado vivo pelos pais das crianças. Também somos informados que ele levava suas vítimas para a "sala das caldeiras" de uma fábrica onde trabalhou, naquele momento já desativada, e que foi esse o local onde ele foi linchado. Por fim, conhecemos logo de cara a personalidade sarcástica e "irreverente" de Freddy, o qual volta em pesadelos para se vingar nos filhos daqueles que o mataram, assassinando-os com sua crueldade extravagante e bem-humorada. Ao longo das sequências, a casa de Nancy (Heather Langenkamp), protagonista do primeiro filme, localizada na Rua Elm nº 1428 de Springwood, se torna um local de importância, ao qual Freddy acaba se apegando.

Contudo, o sexto filme da franquia decide selecionar alguns desses elementos já estabelecidos, descartar outros, adicionar novas informações, realocar elementos em outras situações, criando uma história que não funciona nem como continuidade do que existia, nem como algo novo. Uma das duas mudanças mais drásticas está relacionada ao fato de Springwood, de repente, passar a ser retratada como uma cidadezinha minúscula e rural. A alteração é tão grande que em absolutamente nada lembra as locações das sequências anteriores. A outra mudança, ainda mais inesperada, sem a menor explicação e totalmente tirada do chapéu: a partir de agora nos é informado que casa nº 1428 havia sido a moradia de Freddy quando vivo. 

Para além da profusão de modificações, as incoerências e fragilidades do roteiro vão se empilhando ao longo do filme. Por exemplo, temos que, quando Maggie decide levar o rapaz desmemoriado para Springwood, ao encontrar três adolescentes fugitivos dentro da van que estavam usando, a moça entrega a chave do veículo a eles com a orientação de voltarem sozinhos para o reformatório. Ora! Eles estavam fugindo do reformatório e ela entrega a chave da van na mão deles?! Essa é a pessoa mais ingênua e crédula do mundo - o que a torna inadequada para o serviço presta. Além disso, a van era o meio de transporte dela e do menino. Como ela esperava voltar para o reformatório? 

Outra coisa que marca a franquia é protagonismo feminino, com exceção do segundo filme, mas que mesmo neste apresenta uma personagem feminina de destaque e que acaba tendo muito mais agência que o próprio protagonista. Infelizmente, o sexto filme é o que possui a protagonista mais decepcionante dentre todas. Inclusive, neste sexto filme, todos os personagens são subaproveitados, visto que o foco em desvendar o passado do Freddy é tão intenso que não se desenvolve mais nada para além disso. Os personagens são superficiais e suas relações e conflitos não são bem desenvolvidos. Em contrapartida, isso foi muito bem trabalhado no primeiro filme, sendo um dos motivos para ter se tornado tão marcante, e foi algo que tentou-se manter nas primeiras sequências, mas totalmente abandonado aqui em preterimento do Freddy.

Certo, então qual o motivo de eu gostar de um filme com tantos problemas?

Primeiramente, a memória afetiva. Este foi um dos primeiros filmes da franquia que assisti, ainda pré-adolescente. E sempre que o nome Freddy Krueger é mencionado, automaticamente me vem à memória a cena em que ele mata um dos adolescentes jogando videogame. Para mim, essa é uma das melhores cenas da franquia, é a chacota assumida e entregue. Salve Robert Englund! Esse filme, mais do que aterrorizar, te fará sorrir da audácia. Assim como na cena, logo no início, em que Freddy aparece vestido de bruxa e voando em uma vassoura. Menos descaradamente debochada, outro momento realmente muito bom é toda a sequencia do pesadelo do garoto que possui deficiência auditiva. 

É claro que a memória afetiva é uma argumentação subjetiva. Mas, posso estar afirmando o óbvio mais uma vez aqui, a arte é subjetiva. Por mais análises técnicas que se possa fazer, ainda assim, a subjetividade de quem está consumindo a arte vai pesar muito. E, sim, A Hora do Pesadelo 6 também é arte. De qualquer forma, as cenas mencionadas possuem um bom humor latente e são bem filmadas, de modo que é normal que conquistem com facilidade o coração de uma criança. Talvez se eu tivesse assistido pela primeira vez o filme já adulta, não aconteceria de ter me marcado tanto - ou talvez aconteceria, visto que até hoje gosto de filmes assumidamente galhofas.

Aliás, este é o primeiro longa dirigido por Rachel Talalay, sendo que em seguida ela dirigiu outros dois filmes, O Fantasma da Máquina em 1993, estrelado por Karen Allen (minha eterna Marion Ravenwood, de Os Caçadores da Arca Perdida) e Tank Girl, Detonando o Futuro em 1995. Depois, ela passou os anos seguintes totalmente dedicada à direção de muitas séries e alguns filmes para a televisão. Finalmente, agora em 2020, ela lançou seu quarto longa para o cinema, chamado Manual de Caça a Monstros, com foco no público infanto-juvenil. O caso é que parece que o tema mais infantilizado parece atraí-la, o que pode explicar esse ar mais exageradamente gozador que encontramos em A Hora do Pesadelo 6.

Além de considerar a direção de Rachel bastante satisfatória, a ambientação, a trilha-sonora e até mesmo a produção são muito bem feitos se formos comparar com outros filmes da franquia, como por exemplo o quarto (no qual em um pesadelo que se passa num cenário de HQ, onde tudo é branco, preto e cinza, o pulso "colorido" do Freddy fica à mostra quando ele estica o braço e a manga da camiseta se retrai). A cidade, apesar de ter se transformado em outro lugar, e a casa do Freddy (que já também deixa de ter a decoração de quando era apenas casa da Nancy), demonstram uma preocupação mais apurada com a direção de arte, criando ambientes muito interessantes. Inclusive, gosto muito quando um personagem compara essa "nova" Springwood a Twin Peaks (locação e título da minha série preferida de todos os tempos, que possui toda uma atmosfera e personagens que provocam muita estranheza).

Vale notar que, pela segunda vez, a franquia apresenta personagens negros com certo destaque e que não morrem no final. O terceiro filme havia trazido dois personagens: Kincaid (Ken Sagoes), que infelizmente morre nos primeiros minutos do filme seguinte, e Max (Laurence Fishborne!), que inclusive foge do estereótipo do alívio cômico. Agora, no sexto, temos Doc que, apesar de não ter tanto tempo de tela, também não surge como alívio cômico e sobrevive ao final da história. Para uma franquia de filmes que foram quase todos lançados nos anos 1980, chega a ser impressionante.

Agora, voltando um pouco à questão da memória afetiva, vou avançar para o trecho final de A Hora do Pesadelo 6. Quando esse filme chegou aos cinemas da minha cidade, não se falava em outra coisa. Ele era alardeado como o "Freddy Krueger 3D" e todos os meus colegas da escola foram à estreia - exceto euzinha, pois ainda não tinha sequer completado 10 anos de idade. Só pude assisti-lo quando saiu nas locadoras, provavelmente cerca de um ano depois. 

E, bem, a parte 3D se concentra nos 15 minutos finais: usando de um recurso quase pedagógico, em seu pesadelo Maggie coloca um par de óculos 3D (daqueles antigos, em que as lentes são de celofane e uma é azul e a outra vermelha) para poder acessar a mente de Freddy (?!). Adoro que o modo como ela testa para ver se os óculos estão "funcionando" é aproximar e afastar a mão do rosto (?!). Nas cenas seguintes, seres mitológicos parecendo pequenas cobras (ou minhocas gordinhas e cabeçudas) voam pela tela, Freddy aproxima sua luva-garra da câmera e toda uma sorte de truques típicos são criados para divertir o público ansioso pelo, então, novo recurso cinematográfico. Tudo é ridiculamente maravilhoso e torço para que um dia algum cinema decida exibir novamente essa pérola para que eu possa apreciar essa obra em todo o seu esplendor.

Chego, então, ao fim também do meu texto. Reitero que temos aqui um dos mais execrados filmes de uma franquia muito querida, mas tentei fazer minha defesa para que, quem sabe, mais alguém possa enxergá-lo com mais complacência. 

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