12.3.21

O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights)

Uma menina branca e um menino negro brincam em uma paisagem aberta e enlameada, de terra muito escura. A menina está deitada com as costas na lama, sobre ela, sentado em seu peito, está o menino que segura seus braços no chão e olha fixamente para seu rosto. O céu está encoberto por nuvens e ao redor deles paira uma névoa branca. A cena é acinzentada quase parecendo em preto e branco. 

 

2011
Romance, Drama
Direção: Andrea Arnold
Roteiro: Andrea Arnold e Olivia Hetreed
 







Heathcliff (Solomon Glave / James Howson) é resgatado das ruas para viver com a família Earnshaw em sua fazenda, onde é hostilizado por Hindley (Lee Shaw) e acolhido por Cathy (Shannon Beer / Kaya Scodelario). Em meio ao preconceito que já sofria por causa de sua cor, as relações com essas duas pessoas irão moldar seu caráter e canalizar seus mais implacáveis sentimentos, desde o funesto amor obsessivo ao ódio rancoroso. 

Nessa adaptação do romance homônimo de Emily Brontë, Andrea Arnold acerta em diversos aspectos. Pensando no quesito adaptação, o grande acerto está na escolha do foco da narrativa. Enquanto a obra literária perpassa a história de duas gerações, de modo que envolve diversos acontecimentos e personagens, a escolha de se estabelecer Heathcliff como fio condutor do filme resolve um leque de dificuldades. Essa simples decisão, praticamente seleciona automaticamente tudo o que será contado no roteiro. Descarta-se, assim, todo o trecho do livro em que Heathcliff não está presente, bem como tudo o que não o envolve diretamente. 

Além disso, a escolha do modo como é filmado não é apenas uma decisão estética que combina com o estilo da diretora, mas também uma maneira muito eficiente de transpor para a tela a sensação de incômodo que se tem ao ler o livro. Uma das características mais marcantes do romance é o fato de a maioria dos personagens serem pessoas detestáveis, o que torna a leitura em parte muito incômoda. Ainda assim, Emily Brontë desenvolve-os o suficiente para que consigamos compreender como eles se tornaram essas pessoas tão falhas. No entanto, torna-se bastante difícil transpor todos os conflitos para uma história de duas horas - há momentos que seriam inclusive visualmente pesados demais - e ainda estabelecer algum tipo de empatia por esses personagens. Assim, Arnold acaba por amenizar um pouco o aspecto grotesco daquelas personalidades, optando por desenvolver ao máximo a construção de cada uma, principalmente de Heathcliff. Por isso, o modo cru como ela filma, ajuda a nos colocar em contato com sensações semelhantes àquelas que encontramos ao ler o romance. 

E não só isso. A "câmera na mão", com sua irregularidade e seus excessivos planos detalhe, tornam o filme uma experiência sensorial que traduz também com muita sensibilidade e beleza todo o sentimento conflituoso e angustiante do protagonista. Existem sequências de uma beleza singular, como o momento em que Heathcliff e Cathy saem para passear a cavalo pela primeira vez, estando ele na garupa. A câmera se comporta como um filtro do fascínio que o menino sente pela melhor amiga, evidenciando como ele está embebido em cada detalhe físico dela (cabelo, olhos, boca), mas também com o momento de intimidade e liberdade (o vento, o céu, o movimento do cavalo). É lindo!

Ainda, é preciso elogiar a direção de arte e os efeitos sonoros. A fazenda rústica, a sujeira, a névoa e aqueles meninos sempre enlameados - a quase ausência de trilha-sonora, mas o uso eficiente do silêncio e dos sons diegéticos . Sem precisar explicar muito e com poucos diálogos, apenas apresentando-nos algumas passagens da vida naquele lugar, com aquela gente, é possível entender quem são aquelas crianças, qual o nível de envolvimento entre elas e como elas se tornaram os adultos que vemos na segunda metade do longa. 

Agora, destaco o elenco juvenil. Solomon Glave e Shannon Beer estão excelentes em seus papéis, ressaltando a languidez de Solomon e a vitalidade de Shannon. Com relação à versão adulta de Heathcliff e Cathy, eu não tenho necessariamente um problema com as atuações. James Howson está bem, mas talvez eu tenha sentido falta de uma raiva mais latente em sua interpretação. Kaya Scodelario está muito bem, mas fisicamente ela é tão diferente de Shannon que no início eu senti dificuldade de comprar que ainda era a mesma pessoa - ainda mais porque temos pouco tempo de desenvolvimento da personalidade "adestrada" de Cathy antes de ela virar aquela mulher fina e educada.

Aproveito para apontar aqui a escolha acertada, ao meu ver, dos dois atores para interpretar Heathcliff. No livro, trata-se de um cigano com a pele mais escura, mas não fica explícito seu fenótipo, sua origem - o que fica evidente é que o personagem não é branco e, ao longo da trama, sofre com racismo e hostilidade. Desse modo, o Heathcliff negro está provavelmente muito mais próximo do que imaginava Emily Brontë ao escrever seu livro, do que qualquer ator que já o tenha interpretado em adaptações anteriores.

Contudo, todas essas características vistas por mim como grandes triunfos da diretora, podem facilmente ser encaradas como equívocos por muitas pessoas, pois tornam a recepção ao filme muito dependente de o espectador estar aberto para uma experiência diferente, mais intimista, naturalista e sensorial. De todo modo, torço para que mais e mais pessoas se abram e deixem-se levar pelo olhar de Andrea Arnold.

12.2.21

Cemitério Maldito (Pet Sematary)

Um garotinho bem pequeno, loiro e muito pálido, vestido em veludo azul marinho, se apoia em uma bengala de madeira e usa cartola cinza. Está olhando para a câmera, parado em um quarto. Do seu lado esquerdo há uma cômoda, ao lado direito uma cama, no chão de madeira há alguns tapetes antigos decorados, as paredes parecem ser decoradas e ao fundo cortinas cobrem parcialmente as janelas. 


1989
Terror
Direção: Mary Lambert
Roteiro: Stephen King
 






Louis (Dale Midkiff) muda-se de cidade com sua esposa Rachel (Denise Crosby) e seus filhos Ellie (Blaze Berdahl) e Gage (Miko Hughes) após conseguir um emprego como médico. A nova casa da família está localizada muito próxima a uma rodovia de tráfego intenso de caminhões e, por causa disso, perto dali, há um cemitério de animais - em sua maioria mortos por atropelamento. Quando o gato da família é também atropelado, o vizinho Jud (Fred Gwynne) apresenta a Louis um segundo e mais distante cemitério, onde existe um tentador e perigoso poder.

Mary Lambert tem uma longa carreira, muito dela calcada em curtas-metragens, produções para a televisão e filmes que saíram direto para vídeo, dentre os quais alguns dentro da temática horror. Em termos de cinema, além de Cemitério Maldito (1 e 2), ela dirigiu apenas outros três filmes de temáticas bem variadas, os quais não receberam muita atenção. Após um hiato de 20 anos longe do cinema, ela está atualmente filmando A Castle for Christmas, um romance que terá Brooke Shields como protagonista.

Apesar do pouco destaque que sua carreira teve no cinema, pode-se dizer que sua primeira experiência já a imortalizou. Cemitério Maldito se tornou um dos grandes clássicos cult do terror, sempre lembrado com muito carinho por quem o assistiu mais ou menos à época em que foi lançado. Meu primeiro contato com o filme foi alguns anos depois, por volta de 2000, mas há cenas dele que ficaram gravadas em minha memória, apesar dos muitos anos que se passaram até que eu o revisse, algumas semanas atrás.

Devo admitir que muita coisa hoje me deixou com um gosto amargo na boca. Coisas que eu provavelmente sequer havia notado no passado - praticamente todas relacionadas ao roteiro, mesmo que este tenha sido escrito pelo próprio Stephen King, autor do livro "O Cemitério" no qual o filme foi baseado. 

Em primeiro lugar, a ideia do cemitério indígena ser esse local tão amaldiçoado, presente em outras histórias do King e que acabou se espalhando pelo imaginário do gênero terror como um todo, é uma abordagem, no mínimo, controversa. Não há qualquer tipo de explicação, o que seria um ponto a favor (costumo considerar uma qualidade quando algumas coisas são deixadas no ar), mas, nesse caso, a falta de explicação acaba criando ou reforçando uma ideia de que a(s) cultura(s) dos povos indígenas possui algo de profano ou ruim.

Outro ponto que me incomoda bastante, é toda a questão que envolve o passado de Rachel com sua irmã Zelda (Andrew Hubatsek). O modo como a doença dela é retratada para ser algo assustador, dando enfoque às deformações em seu corpo, hoje já não deve mais ser algo aceitável. É uma visão que marginaliza e reforça ainda mais o preconceito com os corpos diferentes do que se considera "padrão". Como não li o livro, não sei se isso foi melhor trabalhado e desenvolvido, de modo a talvez deixar mais relacionado o problema com a falta de cuidado dos pais de Rachel, salientando que o erro está no abandono e na vergonha que eles sentiam da filha, e não na doença dela em si. No entanto, da maneira como foi colocada no filme, a história de Zelda acaba reforçando o problema, em vez de apontá-lo.

Me aborrece, ainda, o modo como Rachel é retratada como alguém frágil que está a ponto de ter um ataque de nervos a qualquer momento. O filme se redime temporariamente, pois, conforme se aproxima o final, ela adquire uma força de caráter surpreendente e se torna a parte mais equilibrada dentro do casal - o que infelizmente é desperdiçado no momento derradeiro.

Finalmente, acho incoerente a história que Jud conta a Louis, sobre o caso do morto enterrado no cemitério indígena. Afinal, se houve um monstro à solta na cidade, provavelmente teria sido mais sensato invadir a casa que o abrigava para matá-lo (era um grupo grande de pessoas contra um morto-vivo!), do que simplesmente tocar fogo no local com uma pessoa viva lá dentro. Porém, esse não vejo como um problema tão grande. A questão está apenas no modo como a história foi desenvolvida, pois a sucessão de ações é contada de forma tão resumida, que deveria ter sido dedicado um pouquinho mais de tempo de filme para trabalhar as motivações e decisões dos personagens.

Agora, chega de falar mal. Pois eu ainda gosto muito do Cemitério Maldito!

Vou começar exaltando o pequeno Miko Hughes, que vive o adorável/assustador Gabe. Esse menino é, possivelmente, uma das crianças mais fofinhas da história do cinema. Ele tinha DOIS ANOS E MEIO durante as filmagens e atuava com uma naturalidade impressionante. Eu não estou de brincadeira, ele é muito muito muito bonitinho. E quando ele vira um monstrinho, ele é um monstrinho assustador e ainda muito muito muito bonitinho. 

Aproveitando o embalo, eu sei que disse que não ia mais falar mal, mas só vou dizer brevemente que foi difícil aturar o tanto que o Dale Midkiff é um péssimo ator. Contudo, o resto do elenco é bastante satisfatório. Destaque para Brad Greenquist, que interpreta um fantasminha camarada muito do simpático! Aliás, esse fantasma destoa bastante dentro do filme, parecendo fora do lugar - a sua presença deixa o filme irregular, pois ele acaba sendo um alívio cômico um pouco dissonante. Contudo, ainda foi um dos personagens de quem mais gostei, para além do agradável, e meio sem noção, senhor Jud. 

Outra coisa que parece meio fora de lugar, mas que igualmente me atrai, é o quadro da casa dos pais de Rachel. Desde que apareceu pela primeira vez, fiquei hipnotizada pelo rosto retratado, que fica algo entre uma criança e uma mulher de meia idade. Tão hipnotizada eu fiquei pelo rosto, que só percebi que era de fato uma criança, e que ela estava usando exatamente as mesmas roupas com as quais Gabe aparece enquanto morto-vivo, quando eu fui descrever as imagens para colocar aqui nesse texto! De qualquer modo, é um quadro intrigante e que contribui para a ambientação e o clima de estranhamento do filme, dando ares de que há uma força maior movendo os personagens ou de que há algo predestinado.

Uma moça de cabelo curto loiro está ao telefone. Atrás dela, sobre uma parede revestida em madeira, um grande quadro que representa uma pessoa pequena (parece uma criança, mas o rosto tem algo de adulto), usando roupa de veludo azul marinho e cartola cinza, segura um chicote e a seus pés um gato cinza (com rosto que lembra feições humanas).

A maquiagem e os efeitos práticos são muito bem feitos, apesar de os demais efeitos especiais terem ficado um pouco datados - ainda bem que são inserções muito pontuais, de modo que não chega a atrapalhar. A direção de arte é também muito boa, criando cenários diversos, críveis e, quando necessário, desagradáveis. Volto a mencionar o quadro como exemplo de recurso para nos deixar sempre com a sensação de que há alguma coisa de muito errada prestes a acontecer.

A tensão em algumas cenas também é muito bem construída. A fatídica sequência do atropelamento é muito angustiante e mesmo nessa revisão tive dificuldade em assisti-la. Muito também por causa da atenção dada a Gabe em cenas anteriores, extraindo o máximo do carisma natural do ator mirim. Eu poderia dizer que o tempo dedicado ao desenvolvimento da nossa relação com os personagens é parte importante do roteiro, mas a personalidade de Rachel e a atuação sofrível de Dale atrapalham um pouco. Ainda assim, as cenas finais são muito boas e todos os momentos com Church (o gato), são excelentes.

Antes de finalizar, queria comentar brevemente sobre a refilmagem de 2019, dirigida por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer. Talvez por não estar esperando por muita coisa, foi um filme que me surpreendeu bastante. Eles acertam em vários quesitos: as atuações que neste são bem melhores (e eles tentam emular o Miko Hughes, utilizando um garotinho idêntico a ele, mas não tão carismático quanto), ter subvertido algumas situações do roteiro para criar algumas surpresas, ter retirado partes da história que estavam sobrando na narrativa do original e ter contextualizado melhor o tópico do cemitério indígena. Contudo, a problemática com a irmã continua me incomodando e ainda tem alguns outras questões pontuais sobre os quais prefiro me abster aqui senão eu teria que fazer outro texto só sobre ele. Além disso, a atmosfera do filme não me envolveu tanto quanto a do original com seu jeitinho kitsch de ser - o que, para mim, conta bastante.

Assim, Cemitério Maldito, mesmo com seus defeitos, ainda possui uma gama de qualidades que são capazes de mantê-lo em seu patamar de clássico do terror. Além disso, de qualquer maneira, mesmo hoje percebendo como problemáticos, o cemitério indígena e Zelda fazem parte do conjunto de elementos que acabaram por tonar o filme tão marcante na memórias das pessoas. É por isso que ainda pretendo me debruçar sobre os outros filmes de terror da carreira de Mary Lambert, ainda que sejam produções pequenas, lançados direto em vídeo.




15.1.21

A Sombra do Pai

Uma menina de cabelo longo, castanho escuro e ondulado, está enfeitada para Festa Junina (cílios inferiores desenhados sob os olhos e flor de pano de lado no cabelo). Ela está em segundo plano, aparecendo apenas seu rosto. Em primeiro plano, os objetos se concentram à direita e estão muito desfocados. A menina está emburrada, espremendo a boquinha.




2018
Terror, Drama
Direção: Gabriela Amaral Almeida
Roteiro: Gabriela Amaral Almeida






Dalva (Nina Medeiros) perdeu a mãe quando bem pequena e agora mora com o pai, Jorge (Julio Machado), e a tia, Cristina (Luciana Paes). Mas Cristina está prestes a se mudar, deixando a menina sob a responsabilidade de um pai cada vez mais adoecido, de corpo e alma.

Gabriela Amaral Almeida vem se firmando como uma das melhores diretoras de sua geração (nacional e internacionalmente, homem ou mulher), mesmo focando em cinema de gênero - e um gênero que ainda sofre muito preconceito, como o terror. Seu primeiro longa, Animal Cordial (2017),  está entre os 10 filmes que eu mais gostei daquele ano. Também assisti aos curtas Uma Primavera (2011) e A Mão que Afaga (2012), ambos maravilhosos e que você encontra com facilidade nas interwebs da vida - procurem, cada um não tem mais do que 20 minutos. 

Então, você pode imaginar que eu tinha bastante expectativa com relação a A Sombra do Pai. E que filme incrível! Seja você fã ou não de terror, esse é um daqueles filmes praticamente obrigatórios. Entrou imediatamente no meu "top 5" de 2018, com folga!

Seguindo o mesmo fluxo criativo ao qual pertencem outros filmes desta década como O Babadook (2014), Hereditário (2018) e, posteriormente, Relic (2020), em A Sombra do Pai, Gabriela vai tratar o terror dentro das relações, tradições e dramas familiares. 

Utilizando de um esmero impressionante na produção, o cenário, a direção de arte e o figurino (em particular de Dalva e Jorge) são elaborados para compor e dar substância a essas relações e aos dramas dos personagens. Em entrevistas concedidas aos podcasts "Cinematório Café" e "Feito por Elas", a diretora explica algumas dessas situações. Dalva, por exemplo, usa roupas pequenas demais ou que parecem ter sido herdadas de outras crianças, indicando um descuido ou falta de atenção da parte do pai. A casa é filmada de modo a tornar sua planta confusa, não podendo-se identificar com segurança como se entra ou como exatamente seus cômodos estão interligados, possui poucos móveis e praticamente não possui objetos decorativos. A casa espelha seus moradores e também nos passa a sensação de incômodo, tristeza e apreensão.

A seleção do elenco é também algo que impressiona. Nina Medeiros é tão parecida com Luciana Paes que podemos facilmente acreditar em um parentesco real entre elas. Além disso, as atuações de ambas são absolutamente perfeitas. Nina com seus olhos expressivos, sua melancolia e força absolutamente equilibrados e Luciana sendo quem incute na menina suas crenças populares e, ao mesmo tempo, sendo o respiro de sanidade e praticidade daquela família. Para fechar o trio, Julio Machado passa tão bem o estado depressivo e mentalmente caótico em que se encontra, que chega a preocupar. Por meio desses personagens, o longa evidencia as falhas sociais enraizadas na nossa cultura. A falta que a figura feminina faz na família, pois nela recai toda a responsabilidade relacionados à morada e moradores. O que o machismo acarreta para os próprios homens, tornando-os incapazes de conseguir lidar com seus sentimentos e relações afetivas.

O que me chama a atenção e me agrada muito nesse filme são os paralelos e homenagens que a cineasta faz a grandes clássicos do terror, como A Noite dos Mortos Vivos (1968) e Cemitério Maldito (1989), que tratam do retorno dos mortos. Dalva, assim como nos filmes que assiste, não só deseja que a mãe retorne da morte para ficar com ela, como passa a acreditar que seu pai está se tornando um morto-vivo. Crenças e desejos que, para a menina, passam a se tornar a sua realidade.

Também destaco o modo como o filme transita com facilidade entre as referências do cinema de horror internacional e as referências essencialmente brasileiras. Somos apresentados a simpatias, crenças populares que mesclam elementos de diferentes religiões e tradições populares, como a festa junina. Nisso, acabo me lembrando imediatamente de outro excelente filme brasileiro, As Boas Maneiras (2017).

A Sombra do Pai é um filme lento e que talvez desagrade algum desavisado que procura algo cheio de altos e baixos, sustos, sangue e um clímax apoteótico. Ainda que o filme trate de temas pesados, remetendo a um terror mais gráfico como o dos filmes que ele mesmo cita, Gabriela constrói algo mais calcado numa ambientação opressora, e num terror mais psicológico e, quando o grafismo entra em cena, é utilizado de forma quase poética.