1989
Terror
Direção: Mary Lambert
Roteiro: Stephen King
Louis (Dale Midkiff) muda-se de cidade com sua esposa Rachel (Denise Crosby) e seus filhos Ellie (Blaze Berdahl) e Gage (Miko Hughes) após conseguir um emprego como médico. A nova casa da família está localizada muito próxima a uma rodovia de tráfego intenso de caminhões e, por causa disso, perto dali, há um cemitério de animais - em sua maioria mortos por atropelamento. Quando o gato da família é também atropelado, o vizinho Jud (Fred Gwynne) apresenta a Louis um segundo e mais distante cemitério, onde existe um tentador e perigoso poder.
Mary Lambert tem uma longa carreira, muito dela calcada em curtas-metragens, produções para a televisão e filmes que saíram direto para vídeo, dentre os quais alguns dentro da temática horror. Em termos de cinema, além de Cemitério Maldito (1 e 2), ela dirigiu apenas outros três filmes de temáticas bem variadas, os quais não receberam muita atenção. Após um hiato de 20 anos longe do cinema, ela está atualmente filmando A Castle for Christmas, um romance que terá Brooke Shields como protagonista.
Apesar do pouco destaque que sua carreira teve no cinema, pode-se dizer que sua primeira experiência já a imortalizou. Cemitério Maldito se tornou um dos grandes clássicos cult do terror, sempre lembrado com muito carinho por quem o assistiu mais ou menos à época em que foi lançado. Meu primeiro contato com o filme foi alguns anos depois, por volta de 2000, mas há cenas dele que ficaram gravadas em minha memória, apesar dos muitos anos que se passaram até que eu o revisse, algumas semanas atrás.
Devo admitir que muita coisa hoje me deixou com um gosto amargo na boca. Coisas que eu provavelmente sequer havia notado no passado - praticamente todas relacionadas ao roteiro, mesmo que este tenha sido escrito pelo próprio Stephen King, autor do livro "O Cemitério" no qual o filme foi baseado.
Em primeiro lugar, a ideia do cemitério indígena ser esse local tão amaldiçoado, presente em outras histórias do King e que acabou se espalhando pelo imaginário do gênero terror como um todo, é uma abordagem, no mínimo, controversa. Não há qualquer tipo de explicação, o que seria um ponto a favor (costumo considerar uma qualidade quando algumas coisas são deixadas no ar), mas, nesse caso, a falta de explicação acaba criando ou reforçando uma ideia de que a(s) cultura(s) dos povos indígenas possui algo de profano ou ruim.
Outro ponto que me incomoda bastante, é toda a questão que envolve o passado de Rachel com sua irmã Zelda (Andrew Hubatsek). O modo como a doença dela é retratada para ser algo assustador, dando enfoque às deformações em seu corpo, hoje já não deve mais ser algo aceitável. É uma visão que marginaliza e reforça ainda mais o preconceito com os corpos diferentes do que se considera "padrão". Como não li o livro, não sei se isso foi melhor trabalhado e desenvolvido, de modo a talvez deixar mais relacionado o problema com a falta de cuidado dos pais de Rachel, salientando que o erro está no abandono e na vergonha que eles sentiam da filha, e não na doença dela em si. No entanto, da maneira como foi colocada no filme, a história de Zelda acaba reforçando o problema, em vez de apontá-lo.
Me aborrece, ainda, o modo como Rachel é retratada como alguém frágil que está a ponto de ter um ataque de nervos a qualquer momento. O filme se redime temporariamente, pois, conforme se aproxima o final, ela adquire uma força de caráter surpreendente e se torna a parte mais equilibrada dentro do casal - o que infelizmente é desperdiçado no momento derradeiro.
Finalmente, acho incoerente a história que Jud conta a Louis, sobre o caso do morto enterrado no cemitério indígena. Afinal, se houve um monstro à solta na cidade, provavelmente teria sido mais sensato invadir a casa que o abrigava para matá-lo (era um grupo grande de pessoas contra um morto-vivo!), do que simplesmente tocar fogo no local com uma pessoa viva lá dentro. Porém, esse não vejo como um problema tão grande. A questão está apenas no modo como a história foi desenvolvida, pois a sucessão de ações é contada de forma tão resumida, que deveria ter sido dedicado um pouquinho mais de tempo de filme para trabalhar as motivações e decisões dos personagens.
Agora, chega de falar mal. Pois eu ainda gosto muito do Cemitério Maldito!
Vou começar exaltando o pequeno Miko Hughes, que vive o adorável/assustador Gabe. Esse menino é, possivelmente, uma das crianças mais fofinhas da história do cinema. Ele tinha DOIS ANOS E MEIO durante as filmagens e atuava com uma naturalidade impressionante. Eu não estou de brincadeira, ele é muito muito muito bonitinho. E quando ele vira um monstrinho, ele é um monstrinho assustador e ainda muito muito muito bonitinho.
Aproveitando o embalo, eu sei que disse que não ia mais falar mal, mas só vou dizer brevemente que foi difícil aturar o tanto que o Dale Midkiff é um péssimo ator. Contudo, o resto do elenco é bastante satisfatório. Destaque para Brad Greenquist, que interpreta um fantasminha camarada muito do simpático! Aliás, esse fantasma destoa bastante dentro do filme, parecendo fora do lugar - a sua presença deixa o filme irregular, pois ele acaba sendo um alívio cômico um pouco dissonante. Contudo, ainda foi um dos personagens de quem mais gostei, para além do agradável, e meio sem noção, senhor Jud.
Outra coisa que parece meio fora de lugar, mas que igualmente me atrai, é o quadro da casa dos pais de Rachel. Desde que apareceu pela primeira vez, fiquei hipnotizada pelo rosto retratado, que fica algo entre uma criança e uma mulher de meia idade. Tão hipnotizada eu fiquei pelo rosto, que só percebi que era de fato uma criança, e que ela estava usando exatamente as mesmas roupas com as quais Gabe aparece enquanto morto-vivo, quando eu fui descrever as imagens para colocar aqui nesse texto! De qualquer modo, é um quadro intrigante e que contribui para a ambientação e o clima de estranhamento do filme, dando ares de que há uma força maior movendo os personagens ou de que há algo predestinado.
A maquiagem e os efeitos práticos são muito bem feitos, apesar de os demais efeitos especiais terem ficado um pouco datados - ainda bem que são inserções muito pontuais, de modo que não chega a atrapalhar. A direção de arte é também muito boa, criando cenários diversos, críveis e, quando necessário, desagradáveis. Volto a mencionar o quadro como exemplo de recurso para nos deixar sempre com a sensação de que há alguma coisa de muito errada prestes a acontecer.
A tensão em algumas cenas também é muito bem construída. A fatídica sequência do atropelamento é muito angustiante e mesmo nessa revisão tive dificuldade em assisti-la. Muito também por causa da atenção dada a Gabe em cenas anteriores, extraindo o máximo do carisma natural do ator mirim. Eu poderia dizer que o tempo dedicado ao desenvolvimento da nossa relação com os personagens é parte importante do roteiro, mas a personalidade de Rachel e a atuação sofrível de Dale atrapalham um pouco. Ainda assim, as cenas finais são muito boas e todos os momentos com Church (o gato), são excelentes.
Antes de finalizar, queria comentar brevemente sobre a refilmagem de 2019, dirigida por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer. Talvez por não estar esperando por muita coisa, foi um filme que me surpreendeu bastante. Eles acertam em vários quesitos: as atuações que neste são bem melhores (e eles tentam emular o Miko Hughes, utilizando um garotinho idêntico a ele, mas não tão carismático quanto), ter subvertido algumas situações do roteiro para criar algumas surpresas, ter retirado partes da história que estavam sobrando na narrativa do original e ter contextualizado melhor o tópico do cemitério indígena. Contudo, a problemática com a irmã continua me incomodando e ainda tem alguns outras questões pontuais sobre os quais prefiro me abster aqui senão eu teria que fazer outro texto só sobre ele. Além disso, a atmosfera do filme não me envolveu tanto quanto a do original com seu jeitinho kitsch de ser - o que, para mim, conta bastante.
Assim, Cemitério Maldito, mesmo com seus defeitos, ainda possui uma gama de qualidades que são capazes de mantê-lo em seu patamar de clássico do terror. Além disso, de qualquer maneira, mesmo hoje percebendo como problemáticos, o cemitério indígena e Zelda fazem parte do conjunto de elementos que acabaram por tonar o filme tão marcante na memórias das pessoas. É por isso que ainda pretendo me debruçar sobre os outros filmes de terror da carreira de Mary Lambert, ainda que sejam produções pequenas, lançados direto em vídeo.